Aquilino Ribeiro nasceu em Sernancelhe, a 13 de setembro de 1885, e estudou em Lamego e Viseu antes de ingressar no Seminário de Beja. Expulso do Seminário em 1904, fixa-se em Lisboa.

Teve um início de vida adulta muito atribulado, envolvendo-se nas movimentações republicanas e sendo preso em 1907. Evadiu-se e exilou-se em seguida em Paris onde frequenta o curso de Filosofia na Sorbonne. Casou-se e teve o primeiro filho na capital francesa, escrevendo para periódicos portugueses e editando o seu primeiro romance.

O início da Grande Guerra leva-o a ter de abandonar o curso de Filosofia e a regressar ao País com a família,

Foi sempre um activista político muito empenhado, lutando contra a ditadura militar, o que o levou a exilar-se de novo em Paris em 1927. Julgado à revelia, acaba por ser amnistiado anos mais tarde, regressando a Portugal em 1932. O seu ideário republicano ficou registado na colaboração com alguns jornais, como «A Vanguarda», ou ainda pela obra de ficção de propaganda republicana, «A Filha do Jardineiro» (1907), que escrevera em parceria com José Ferreira da Silva.

Desempenhou diversos cargos públicos, tendo sido professor no Liceu Camões, conservador da Biblioteca Nacional, fundador e presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores.

Mantendo ao longo de toda a vida uma actividade intensa de escrita para a imprensa, vem a destacar-se na primeira metade do século XX como romancista, alcançando grande êxito junto do público e da crítica. Nas obras de referência de Aquilino Ribeiro destacam-se a colectânea de contos «Estrada de Santiago» (1922) e os romances «Terras do Demo» (1919), «Andam Faunos pelos Bosques» (1926), «Volfrâmio» (1944), «O Malhadinhas» (1946), «A Casa Grande de Romarigães» (1957), «Quando os Lobos Uivam» (1958) ou «O Livro da Marianinha» (1962).

A singularidade da sua obra – nunca tendo alinhado com nenhum dos grandes movimentos literários da sua época -, onde sobressai o uso de termos rústicos, arcaicos e de gíria, revelando valores verbais inexplorados na língua portuguesa, levou a que, em 1960, fosse proposto para o Prémio Nobel da Literatura. O seu ex-libris era “Alcança quem não cansa”.

Do talhão dos escritores do cemitério dos Prazeres, onde se encontrava sepultado, foi trasladado, em 2007, para o Panteão Nacional.

 

TEXTOS DE AQUILINO RIBEIRO

(excertos)

BEIRA ALTA

“Quando se passa à vista dessas serranias, perfiladas no horizonte, que têm o seu quê das monticulações dos formigueiros, cheias de povos, de passaredo, de bichesa humana e montesinha, toma-nos, da projecção da nossa pequenez sobre a imensidade e o mistério da distância, um sentimento que tanto pode ser de exaltar como de deprimir”

In Geografia Sentimental

“Pelo braço de estrada fora rompiam ranchos em algazarra, bestas rinchonas caracolando e maltas de varapaus leva que leva. (…) Para aguentar o passo, outras mulheres tinham tirado as chinelas e com elas na mão, a par do sombreiro, ou à cabeça sobre o xaile, desinhavam-se todas, tep, tep. E lá seguia tudo a catrapós, no frenesi de meter com sol à festa que o mês de Agosto c’os seus santos ao pescoço não tinha melhor que a Senhora da Lapa, a rica Senhora da Lapinha. “

In Terras do Demo

SEMINÁRIO DE BEJA

“A sineta, enforcada em dois braços de ferro quase em frente do meu quarto, ladrou a bom ladrar às seis e meia da manhã. Para mim que não estava habituado àquela voz imperativa – a sineta toda paternal do Colégio de Lamego há que mundos deixara de regular os meus hábitos- foi-me desagradável como deve ser a do padre capelão que chega à cela do condenado à morte e lhe diz: Meu Caro Amigo, o recurso foi denegado. Prepare-se para morrer.”

In Um escritor Confessa-se

ANTIGA BIBLIOTECA NACIONAL

“Refugiei-me na literatura como num convento do Monte Atos. Desde os primeiros anos do Colégio que tivera pronunciada tendência para a especulação literária. Por agora volvia à leitura (…). Entrava para a Biblioteca Nacional com o abrir do portão e era o último a largar. Nunca me aconteceu adormecer sobre os livros como convidava aquela sala em abóboda, firmada em aduelas de tijolo, verdadeira adega do espírito fradesco, com o salitre tomístico colado aos muros, no ar a boiar ainda a mofeta inextinta dos silogismos. Mas havia muitos que dormiam e ressonavam, sem escândalo para ninguém, louvados sejam os leitores da Morgadinha dos Canaviais. Tão encharcado andava eu de leituras que, involuntariamente, cheguei a falar como os heróis de Camilo, prestando-se o facto um dia a franca chuchadeira dos amigos. Curei-me do vernáculo nas relações com os meus patrícios sarcasticamente triviais, mas não deixei de prosseguir na formação autodidáctica”.

In Um Escritor Confessa-se

LISBOA

“Da Costa do Castelo e Graça sentia-se como que a rajada sísmica no acto de varrer para a Baixa as agulhas estroncadas e os arcaboiços rotos das igrejas e palácios. Raro esta e aquela silhueta – as torres da Sé, as volutas brancas do Carmo, o corpanzil verde de D. José em cima do cavalo (…), e os seus palacetes empoleirados nos altos do Torel – quebravam a impressão de assombro que se recebia na varanda ante a floresta de pedra das duas colinas. Se porém se dilatavam olhos até os planos remotos, para lá da laguna dourada que orla o Terreiro do Paço, quer demorando-os mais longe na seda azul, levemente crespa, das águas fluviais, quer no tracto de terra de Outra Banda salpicado dos grandes malmequeres, Alfeite, Cacilhas, Barreiro, com a Arrábida às espaldas, tão roxa que nem pintada, a vista repousava bêbada de luz na confiança das confianças”.

In Mónica

“O Café era a Universidade e a antecâmara permanente da revolução. Cada um tinha os seus clientes, agrupados pela cor das ideias e da gravata: republicanos, aficionados, poetas, batoteiros, e seria milagre que acampasse por ali um só que não acusasse estigma. Desconhecido que aparecesse era tal um moiro na costa. De mesa para mesa voava a palavra de passe: Cuidado que pode ser bufo!”

In um Escritor Confessa-se

PARQUE EDUARDO VII

“Nas belas manhãs eu gostava de ir sozinho Avenida Fora, trepar ao bocado de sertão que era o Parque pouco antes baptizado de Eduardo VII, onde via coelhos a correr, pássaros de tanguinho no bico em vias de construir o ninho. Ali a natureza era a autêntica madre, no seu plano primitivo, ou quase. Lá estava no alto uma casa de granja, quadrada e com telha moura, ares de “monte” alentejano, desdobrada em abegoaria e alpendres, o Casal Ventoso, onde se vendia um copo de leite, se nos apetecia este mimo rural. E eu voltava aos meus romancistas, arejado dos pulmões, os olhos recreados de todos os belos painéis da geórgica que se oferecia naquele bocado de serra e frágua, inacessível porém então às gâmbias alfacinhas”.

ACTIVISMO POLÍTICO

“A parte culta do País, na maioria, estava ganha à ideia republicana. Os propagandistas tinham feito obra sobretudo de demolição, e frutuosa como fora, só os censuravam os despeitados. Para se fazer um edifício novo onde só há ruínas e pardeiros, antes de mais nada está indicado que se deite abaixo e se removam os escombros. A casa lusitana estava velha e carcomida, e os mais culpados eram os reis. Primeiro os absolutos, em tanto que senhores de corpos e almas, depois os constitucionais (…) Os monarcas portugueses, todo esse fastidioso chorrilho de paranóicos, epilépticos e comições de orelha e tromba de cerdo, a cada um dos quais, uma vez defunto, o mais travadinho dos historiadores acorria a pôr o chinó dum cognome banaboia, afectos a ver a sua inútil pessoa divinizada e indiscutida à testa do rebanho, supondo por hipótese que eram transferidos para a vida civil, tenha-se por garantido que não davam uma para a caixa no que quer que fosse”.

In Um escritor confessa-se

“A suprema aspiração do cativo, que não sabe o que o espera e ama a liberdade acima de tudo é evadir-se. Os pássaros metem a cabeça, alucinadamente, pelas grades, segundo o instinto que lhe é mais  imperioso. Fá-lo a galinha, que é um animal aviltrado, quando a mudam de capoeira. Compreende-se que me ocipasse desde logo com o plano de fuga, desenvolvendo a minúcia eporfia que um charadista põe a solucionar o seu logogrifo”.

In Um escritor Confessa-se

Universidade de SORBONNE, PARIS

“O certo é que Paris, o Paris dos rapins, das porteiras, do beijo à boca farta, da lâmpada de álcool para aquecer a refeição pronta da charcuterie, do modelo pindérico e desnalgado, do cocuage dos amigos e pelos amigos, do Bal Bullier e do Bal des Quat’z Arts, dum dia de fartura e de seis de lazeira, da tasca na fraterna comensalidade de galdérias, rufiões, sábios, niilistas e poetas, tornara-se-lhe imprescindível como a casca do caracol”.

In Por obra e Graça

Fonte: JL

http://visao.sapo.pt/jornaldeletras/bloguesjl/conversadeelevador/aquilino-ribeiro–a-arvore-da-vida=f717056