Corria o anno de 1630., e nelle na noite de terça para a quarta feira do dia quinze para dezaíseis do mez de Janeiro succedeo que em Lisboa se arrombou a Igreja de Santa Engrácia […]

Pella manham no dia 16, soou o desacato feito na noute de quinze correo o povo Christaõ á Igreja a ver o caso succedido em esta Cidade, Lugar mayor do mundo abreviado, cheyo tudo de confusaõ, de dor, de penas, e sentimento […]. Tudo foraõ lagrimas em o povo, nada deixou de ser suspiros […].

Pormenor de um painel de azulejos, alusivo ao Desacato de Santa Engrácia, representando o “Roubo da Custódia”.

Como forma de reparação espiritual do Desacato o arcebispo D. Afonso Furtado de Mendonça ordena que “[…] fizessem muitas, muy grandes festas em louvor do Sanctissimo Sacramento”.

As solenidades iniciaram-se com uma cerimónia religiosa na Sé seguida de uma procissão entre a Sé e a profanada Igreja de Santa Engrácia “ […]ricamente armada fazendosse a festa & culto della de musica, & prègação, ceia,& ricos cheiros”.

Por “ […]ser tãta anobreza, & povo, q. acompanharão esta procissão […] a Cidade ficou despejada”.

Pormenor da cidade de Lisboa, entre a Sé e o Campo de Santa Clara, em 1572. Lisbona – Civitates orbis terrarium, Georg Braun and Frans Hogenberg .

Na sequência do Desacato rapidamente foram tomadas diligências para capturar os criminosos, afixando editais nas portas com avisos para que ninguém saísse de casa sob pena de morte e ofertas de recompensas a quem descobrisse os culpados, enquanto se faziam interrogatórios por toda a cidade, prendendo pessoas às quais se “meteram a tormento”.

“Foy também prezo hum homem chamado Simão Lopez Soliz, e por muitos, e vehementes indicios se lhe fez summario […]”

Pormenor de um painel de azulejos, alusivo ao Desacato de Santa Engrácia, representando o a prisão de Simão Solis. C. 1760.

Como modo de expiação e memória do Desacato, todos os anos, nos dias 16, 17 e 18 de janeiro, realizavam-se as festas do Desagravo, que perduraram até ao séc. XIX.

Fonte: M. L. Jacquinet, “Em Desagravo do Santíssimo Sacramento: O “Conventinho Novo”. Devoção, Memória e Património Religioso”, 2008.